O PAPEL DO ENCARREGADO DE DADOS NA CONFORMIDADE E NO USO RESPONSÁVEL DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

23 de setembro de 2025

O debate sobre a regulação da inteligência artificial (IA) no Brasil ganhou novo fôlego com o Projeto de Lei nº 2.338/2023, que busca alinhar o desenvolvimento tecnológico à centralidade da pessoa humana. Entre os pontos de maior destaque está a atribuição à Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) da coordenação do Sistema Nacional de Regulação e Governança de Inteligência Artificial (SIA), consolidando seu papel como referência regulatória.

O ecossistema regulatório da IA

De acordo com o projeto, o SIA deverá funcionar como um ambiente de cooperação entre autoridades setoriais, órgãos reguladores e outros sistemas nacionais, sem subordinação hierárquica, mas com a finalidade de garantir uniformidade e segurança jurídica. A lógica repete, em parte, o que a própria LGPD já previu ao designar a ANPD como autoridade central em proteção de dados.

Paralelo com a LGPD e programas de governança

A comparação com a LGPD é inevitável. O artigo 50 da lei estabelece diretrizes de boas práticas e programas de governança em privacidade, exigindo de controladores e operadores medidas para demonstrar compromisso com a proteção de dados. A Resolução CD/ANPD nº 18/2024 reforça esse ponto, ao incumbir o encarregado de dados da função de apoiar e orientar os agentes de tratamento na implementação dessas práticas.

Embora não seja responsável direto pela conformidade, o encarregado desempenha papel estratégico, prestando assistência em decisões organizacionais e ajudando a estruturar uma cultura de governança. Esse modelo encontra respaldo no Regulamento Europeu (GDPR), no qual o encarregado também atua como figura de controle, sem responsabilidade legal direta, mas com relevância prática para a conformidade.

Possíveis funções do encarregado frente à IA

O Projeto de Lei nº 2.338/2023 não prevê, até o momento, uma figura equivalente ao encarregado da LGPD para os agentes de inteligência artificial. No entanto, ao exigir que desenvolvedores e aplicadores de IA adotem programas de governança e mecanismos de autorregulação, abre espaço para que profissionais já envolvidos na governança de dados assumam protagonismo também na conformidade da IA.

Assim como ocorre no tratamento de dados pessoais, a contribuição do encarregado pode se mostrar valiosa na orientação interna, na prevenção de riscos e na harmonização de práticas éticas. O Guia Orientativo da ANPD publicado em 2024 deixa claro que a função é de assessoria estratégica, sem competência decisória, mas com responsabilidade de apoiar processos multidisciplinares para garantir a proteção de direitos fundamentais.

Governança integrada: dados e inteligência artificial

A transição para um ambiente regulatório que abrange tanto a proteção de dados quanto a governança da inteligência artificial tende a reforçar o papel do encarregado como profissional de referência. Para além da LGPD, sua atuação pode se expandir para a supervisão ética e técnica do uso de sistemas de IA, especialmente quando esses sistemas dependem do tratamento massivo de dados pessoais.

Ao unir ética, independência técnica e responsabilidade institucional, esse profissional poderá consolidar-se como elo de confiança entre organizações, reguladores e sociedade, contribuindo para a construção de um ecossistema regulatório mais robusto e responsável no Brasil.