O desligamento de centenas de trabalhadores após divergências entre registros de ponto e métricas digitais em regime de home office trouxe à tona um debate necessário: até onde as empresas podem ir no monitoramento tecnológico sem ultrapassar os limites legais e constitucionais?
No Brasil, o acompanhamento das atividades digitais do empregado é permitido, desde que realizado dentro de parâmetros claros de transparência, proporcionalidade e respeito à privacidade. O poder diretivo do empregador assegura mecanismos de fiscalização, mas esse poder não é ilimitado. Para que a coleta de informações como cliques, tempo de atividade, abas abertas ou até capturas de tela seja válida, é indispensável que haja comunicação prévia, objetiva e inequívoca sobre os critérios de monitoramento.
Políticas objetivas e consentimento informado
A ausência de uma política formal, devidamente apresentada e aceita no início do contrato ou antes da implementação do controle, pode configurar ato ilícito. Além de abrir espaço para reclamações trabalhistas, como pedidos de indenização por danos morais, a conduta irregular expõe a empresa a sanções da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) exige que qualquer coleta esteja alinhada aos princípios de finalidade, adequação e necessidade, sob pena de multas e penalidades administrativas.
Controle de jornada e limites constitucionais
Embora a CLT, após a Lei 14.442/2022, regulamente o teletrabalho, ela não afasta a possibilidade de controle de jornada quando existirem ferramentas tecnológicas para tanto. O cruzamento de ponto eletrônico com métricas digitais é possível, mas seu uso deve respeitar os direitos fundamentais do trabalhador, como intimidade e vida privada. O monitoramento de dispositivos corporativos é admitido, desde que restrito a finalidades profissionais. Em contrapartida, vigilância por vídeo ou áudio no ambiente doméstico é considerada invasiva e abusiva.
Riscos reputacionais e éticos
A utilização exclusiva de métricas digitais como fundamento para rescisões contratuais pode comprometer não apenas a segurança jurídica da empresa, mas também sua imagem perante o mercado e a sociedade. A adoção de tecnologias sem governança adequada transforma o que poderia ser ferramenta de eficiência em fonte de litígios e desgaste reputacional.
Equilíbrio entre eficiência e dignidade
O desafio das empresas no trabalho remoto está em equilibrar produtividade com dignidade. O monitoramento é legítimo quando conduzido com clareza, limites objetivos e respeito aos direitos do trabalhador. Do contrário, corre-se o risco de transformar instrumentos de gestão em violações de garantias constitucionais e em passivos de alto custo.