O TRATAMENTO DE DADOS PESSOAIS NO MERCADO DE ARTE E SEUS DESAFIOS JURÍDICOS

5 de setembro de 2025

O mercado de arte costuma ser retratado de maneira quase mítica: grandes leilões, cifras milionárias, compradores discretos e destinos incertos para as obras. No entanto, a prática revela outra realidade. A maior parte das galerias brasileiras é de pequeno ou médio porte, com equipes enxutas e volumes de negociação bem mais modestos do que a percepção pública sugere. Pesquisas recentes apontam que a maioria dessas empresas movimenta até R$ 5 milhões ao ano, com colecionadores que compram obras de valores relativamente acessíveis, em geral abaixo de R$ 50 mil.

Um elemento central nas transações é a chamada trajetória da obra, que reúne registros sobre propriedade, circulação, exposições, restaurações e valores praticados ao longo do tempo. Esse histórico influencia diretamente a precificação, funcionando, em certo sentido, como a matrícula de um imóvel. Do ponto de vista jurídico, esse conjunto de informações envolve o tratamento de dados pessoais de diversos titulares, com armazenamento de longo prazo e muitas vezes indeterminado. Surge, então, o desafio: como compatibilizar a necessária divulgação desses dados com a proteção legal da privacidade e com o sigilo que muitos compradores exigem?

Além disso, o setor lida com pressões por maior transparência, seja em razão da assimetria de informações comerciais, seja pela necessidade de atender a normas de prevenção à lavagem de dinheiro. No Brasil, os negociantes devem estar inscritos no CNART e comunicar operações em espécie acima de R$ 10 mil. Já na Europa, regulações mais severas exigem a adoção de políticas de identificação de clientes e monitoramento contínuo de transações. Nessas situações, a hipótese legal que legitima o tratamento de dados é a obrigação regulatória, prevista na LGPD.

Ainda que o regulamento da ANPD para agentes de pequeno porte conceda certa flexibilidade – como o uso de registros simplificados e a dispensa formal de um encarregado de dados – as galerias permanecem responsáveis por assegurar medidas mínimas de segurança da informação. Isso inclui não apenas a gestão de cadastros de clientes e fornecedores, mas também cuidados com possíveis transferências internacionais de dados, comuns em operações de exportação de obras ou uso de sistemas estrangeiros.

Nesse contexto, tecnologias como o blockchain têm sido apontadas como alternativa promissora. A possibilidade de registrar a trajetória de obras em uma rede digital descentralizada oferece segurança contra fraudes e falsificações, ao mesmo tempo em que mantém a rastreabilidade das informações. Porém, surgem novas questões jurídicas, especialmente quando se considera o direito de exclusão ou retificação de dados em um ambiente de registros imutáveis.

O fato é que o mercado de arte se encontra diante de um ponto de inflexão: busca tornar-se mais transparente e moderno, ao mesmo tempo em que precisa respeitar os limites da proteção de dados pessoais. A adequação às normas não deve ser vista apenas como obrigação, mas como oportunidade de profissionalizar ainda mais um setor que, embora marcado pela tradição, depende cada vez mais da confiança, da ética e da inovação tecnológica para sustentar sua relevância global.