O setor jurídico das empresas precisa deixar para trás o papel meramente reativo e assumir uma atuação contínua e estratégica diante dos desafios regulatórios impostos pela transformação digital. Com a consolidação de marcos legais como a LGPD, o GDPR europeu e os debates em torno do futuro Marco Legal da Inteligência Artificial no Brasil, o jurídico passa a ser peça fundamental na estruturação de políticas internas, cláusulas contratuais e mecanismos de compliance voltados à prevenção de riscos tecnológicos.
A transformação digital, longe de ser apenas uma pauta de inovação, impôs um novo ciclo de obrigações normativas. Práticas como due diligence algorítmica, auditorias de decisões automatizadas e elaboração de relatórios de impacto tornaram-se exigências regulatórias para empresas que operam com tratamento de dados pessoais ou utilizam sistemas de inteligência artificial. O princípio da responsabilidade demonstrável – accountability – deixou de ser uma diretriz ética genérica para se transformar em um dever jurídico com impactos patrimoniais, como demonstram sanções já aplicadas por autoridades reguladoras.
No campo da responsabilidade civil, a jurisprudência brasileira tem consolidado o entendimento de que a proteção de dados e a segurança da informação integram o dever geral de cuidado. Isso amplia a possibilidade de responsabilização por falhas que antes passavam despercebidas, colocando a governança digital como um componente indispensável à continuidade operacional e à proteção da reputação corporativa.
Além das questões técnicas e jurídicas, há também exigências relacionadas à dimensão ambiental e social da atividade empresarial no mundo digital. O impacto energético dos data centers e o descarte inadequado de equipamentos eletrônicos envolvem obrigações que se relacionam diretamente com a Política Nacional do Meio Ambiente. Ao mesmo tempo, práticas de moderação de conteúdo, algoritmos discriminatórios e exclusão digital impõem riscos de ordem ética e legal, especialmente quando há omissão em adotar medidas preventivas.
Para lidar com esse ambiente regulatório multifacetado, torna-se necessário adotar uma estrutura jurídica interdisciplinar. O setor jurídico deve dialogar com áreas de tecnologia, sustentabilidade e governança para integrar inovação e conformidade normativa dentro de uma única estratégia institucional. O desafio, portanto, não é apenas acompanhar mudanças legislativas, mas atuar como catalisador de uma cultura organizacional voltada à responsabilidade, à transparência e à continuidade sustentável.