O QUE DIZ A LEI SOBRE O USO DOS SEUS DADOS PELAS INTELIGÊNCIAS ARTIFICIAIS

28 de maio de 2025

A difusão das plataformas de inteligência artificial generativa tem transformado significativamente a interação dos usuários com as tecnologias digitais. Desde sua adoção em larga escala, modelos como o ChatGPT, desenvolvidos por empresas americanas, destacam-se pela capacidade de fornecer respostas coerentes e precisas, conquistando rapidamente usuários em diversas regiões, incluindo o Brasil.

Por outro lado, modelos provenientes da China chamaram a atenção inicialmente por sua eficiência técnica, mas também geraram debates relacionados à transferência de dados pessoais para servidores localizados naquele país, levantando questionamentos sobre privacidade e segurança da informação.

O debate sobre regulação e proteção de dados envolvendo essas tecnologias está em constante desenvolvimento. Assim, a reação do público e dos órgãos reguladores varia conforme a origem da plataforma e as práticas adotadas. Independentemente dessas diferenças, é fundamental observar com atenção qualquer transferência de dados pessoais para fora do território nacional, considerando o destino das informações e o cumprimento das normas aplicáveis.

Essa discussão envolve não apenas aspectos regulatórios, mas também questões relacionadas à geopolítica e à regulação do fluxo internacional de dados. Dado que os conflitos entre grandes potências ultrapassam a esfera das normas de proteção de dados, o foco desta análise será restrito à regulação da transferência internacional de dados pessoais, tema relevante para todas as plataformas de inteligência artificial generativa acessíveis no Brasil.

No ordenamento jurídico brasileiro, a transferência de dados pessoais para outros países está submetida à Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018). Os artigos 33 a 36 estabelecem que esse tipo de transferência só pode ocorrer mediante cumprimento de condições específicas previstas na legislação, como a existência de decisão de adequação da autoridade reguladora, consentimento expresso do titular ou a utilização de cláusulas contratuais padrão aprovadas pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).

Em agosto de 2024, a ANPD publicou norma regulamentadora detalhando procedimentos para reconhecimento de países e organismos considerados adequados, assim como para a disponibilização de cláusulas-padrão e avaliação de outras ferramentas regulatórias. Entretanto, mecanismos de transferência previstos na lei que não dependam de regulamentação continuam vigentes, desde que cumpram os requisitos legais.

Cabe destacar que a regulamentação diferencia a coleta internacional de dados, quando a empresa obtém os dados diretamente em outro país, da transferência internacional, que ocorre quando um controlador envia dados sob sua posse para o exterior.

Os sistemas de inteligência artificial generativa mencionados encontram-se sob a vigência da LGPD, o que impõe às empresas responsáveis a observância dos princípios e regras, principalmente quanto à transparência sobre os tratamentos realizados.

Dessa forma, é esperado que os termos de uso e, principalmente, as políticas de privacidade informem claramente quais mecanismos legais fundamentam as transferências internacionais de dados pessoais, conforme o princípio da transparência previsto na legislação brasileira.

Por meio de um estudo recente realizado em parceria com um centro de tecnologia e sociedade, foram avaliadas as práticas de transparência de diversas plataformas de inteligência artificial generativa. A pesquisa identificou que a maioria dos serviços não fornece informações claras sobre os mecanismos utilizados para transferência internacional de dados, tampouco detalha os países que recebem essas informações.

Um exemplo elucidativo é o modelo chinês que, conforme sua política de privacidade, não esclarece adequadamente quais dados pessoais são enviados a servidores locais ou retransmitidos para outras regiões, o que tem gerado questionamentos regulatórios e notificação por autoridades internacionais.

No mesmo sentido, a plataforma americana, embora utilize servidores em território norte-americano para transferência de dados, não tem enfrentado o mesmo grau de questionamento público. Sua política de privacidade também deixa lacunas em relação à explicitação dos mecanismos adotados para a transferência internacional.

Importa mencionar que, ao contrário da China, os Estados Unidos não dispõem de legislação federal específica sobre proteção de dados pessoais nem de autoridade reguladora dedicada ao tema, o que reflete em dificuldades para a celebração e manutenção de acordos internacionais de proteção, como evidenciado por decisões recentes de tribunais europeus.

Os acordos em vigor entre Estados Unidos e União Europeia não têm validade para o Brasil, o que reforça a necessidade de observância rigorosa da legislação nacional para todas as transferências internacionais de dados.

Ao analisar as demais plataformas avaliadas, verifica-se que o quadro de insuficiência de transparência e conformidade regulatória é generalizado, independentemente do país de origem.

Por mais que algumas dessas tecnologias ainda não recebam ampla atenção do público, o tema da proteção de dados merece constante monitoramento pelas autoridades brasileiras. A percepção pública acerca da segurança das informações parece estar mais relacionada a fatores culturais e políticos do que a uma avaliação técnica aprofundada.

A preocupação com a coleta e transferência internacional de dados pessoais não é nova. Desde o final do século passado, temas ligados ao controle de dados financeiros e, atualmente, ao uso intensivo de informações pessoais em dispositivos móveis, evidenciam a relevância da proteção de dados.

A inovação tecnológica amplifica o alcance do monitoramento, aumentando a exposição dos titulares a riscos relacionados à privacidade e à segurança, especialmente em um contexto de compartilhamento internacional de informações entre empresas privadas e entes governamentais.

Diante disso, é fundamental que a sociedade e os órgãos reguladores no Brasil mantenham atenção contínua sobre todas as plataformas tecnológicas operantes no país, exigindo cumprimento rigoroso das normas de proteção de dados pessoais. É importante evitar julgamentos baseados apenas na origem geográfica das empresas ou em sua popularidade, priorizando critérios técnicos e legais para assegurar a proteção dos direitos dos titulares.