MUDANÇA NA TRIBUTAÇÃO DE HERANÇAS EM FUNDOS FECHADOS DE INVESTIMENTO CAUSA CONTROVÉRSIA

14 de novembro de 2023

A Receita Federal do Brasil recentemente adotou uma nova interpretação tributária que afeta diretamente herdeiros de cotas de fundos de investimento multimercado fechados. Esta mudança determina que herdeiros devem pagar o Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) ao transferir essas cotas para seus nomes, caso exista um ganho de capital – isto é, se o valor da transferência for superior ao custo de aquisição originalmente declarado pelo investidor falecido, como um pai ou mãe.

Este entendimento, expresso na Solução de Consulta nº 245 publicada no início do mês, orienta os auditores fiscais a cobrarem o IRPF nessas transmissões patrimoniais. Isso significa que os herdeiros, além de enfrentarem o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), imposto estadual sobre heranças e doações, agora também podem ser tributados pelo IRPF, cuja alíquota varia entre 15% e 22,5%, dependendo do ganho de capital.

Muitos especialistas, incluindo advogados tributaristas, veem essa nova orientação como problemática. Alamy Candido, sócio da Candido Martins Advogados, por exemplo, considera a interpretação da Receita Federal como uma desconsideração de fundamentos legais importantes, abrindo espaço para discussões jurídicas.

Enquanto o ITCMD é geralmente aceito como parte do processo de herança, a cobrança do IRPF sobre a transferência de cotas de fundos fechados é vista por muitos como uma dupla tributação, o que gera descontentamento e possíveis litígios judiciais.

Atualmente, há cerca de 2,5 mil brasileiros com investimentos em fundos fechados, acumulando um patrimônio combinado de R$ 756,8 bilhões. A aplicação do novo entendimento tributário sobre esses fundos pode ter um impacto significativo.

Um projeto de lei em análise no Senado, o Projeto de Lei nº 4.173, propõe uma mudança na tributação de fundos fechados, introduzindo uma taxação semestral, conhecida como “come-cotas”, já aplicada em outros tipos de fundos. Esse projeto pode minimizar problemas relacionados à tributação na herança, pois atualizaria constantemente o valor de mercado das cotas para fins de recolhimento do IR semestral.

Contudo, esta legislação ainda deixa de fora certos tipos de fundos, como os de investimento em direitos creditórios (FDIC) e os de investimento em ações (FIAs), levantando dúvidas sobre como serão tratados no contexto das heranças.

Há um crescente debate entre herdeiros e gestores de fundos sobre a transferência das cotas a valor de mercado e o pagamento do IRPF sobre ganhos de capital. Isso tem levado muitos contribuintes a buscar o judiciário para contestar a cobrança do imposto.

Diogo Olm Ferreira, tributarista do VBSO Advogados, destaca que, embora a jurisprudência sobre o assunto ainda não esteja bem estabelecida, a judicialização pode ser uma via para investidores que se sentem prejudicados.

Advogados argumentam que, conforme o artigo 23 da Lei nº 9.532, de 1997, deveria haver a opção de transferir os bens pelo valor de mercado ou pelo valor informado na declaração de IR do falecido. No entanto, a Receita Federal, na sua solução de consulta, rejeitou a aplicação desse artigo, interpretando a transferência de cotas de fundos fechados por herança como uma alienação de ativo, sujeita à incidência de imposto sobre ganho de capital.

Recentemente, a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) em São Paulo decidiu contra a exigência do imposto na transferência de cotas a uma viúva, mas a Fazenda Nacional recorreu dessa decisão.

Em resumo, a nova orientação da Receita Federal sobre a tributação de heranças de fundos fechados de investimento multimercado gera um cenário complexo, com implicações significativas para herdeiros, investidores e o setor jurídico. A evolução da jurisprudência e as possíveis mudanças legislativas serão cruciais para determinar os contornos dessa tributação no futuro.